SEPARATA DO BOLETIM
DA
Real Associação dos Architectos Civis e
Archelogos Portuguezes
A GRAVURA EM PORTUGAL
Breves apontamentos para a sua historia
por
F. M. de Sousa Viterbo
Proprietaria e editora, a Real
Associação
LISBOA
Typ. da Casa da Moeda e Papel Sellado
1909
SEPARATA DO BOLETIM
DA
Real Associação dos Architectos Civis e
Archelogos Portuguezes
A GRAVURA EM PORTUGAL
Breves apontamentos para a sua historia
por
F. M. de Sousa Viterbo
Proprietaria e editora, a Real
Associação
LISBOA
Typ. da Casa da Moeda e Papel Sellado
1909
A GRAVURA EM PORTUGAL
Breves apontamentos para a sua historia
A historia da gravura em Portugal encontra-se embryonaria na
Collecção de
memorias de Cyrillo Volkmar Machado e na
Lista de
alguns artistas do patriarcha D. Fr. Francisco de S.
Luiz (Cardeal Saraiva).
Rodrigo Vicente d'Almeida colheu, durante annos, numerosos
subsidios, que andava coordenando para dar ao prelo, quando a morte
o surprehendeu. A Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro trata de
preencher a lacuna, e muito grato lhe deve ser o nosso paiz, pela
publicação
do catalogo dos retratos colligidos por Diogo Barbosa Machado,
catalogo que abrange não menos de 1.980 numeros. E, como se
isto não bastasse, a mesma Bibliotheca, por intermedio de
alguns dos
seus intelligentes funccionarios, está dando a lista das
producções dos
gravadores, iniciando a serie por Debrie.
A nossa Academia de Bellas Artes possue uma valiosissima
collecção
de gravuras, as quaes, ascendendo a 4.000, estavam até ha
pouco
a monte, sem que pudessem ser consultadas pelos estudiosos. O sr.
Luciano Freire, secretario da mesma corporação,
deu-se ao improbo
trabalho de as catalogar, e quando esse catalogo se imprima, de certo
se encontrará nelle um inapreciavel thesouro de
informações.
No
Jornal do Commercio, n.º 11.428
de quarta-feira, 6 de Janeiro
de 1892, publiquei um artigo, que transcrevo agora aqui, com algumas
correções e additamentos, o qual fórma
o 1.º paragrapho ou capitulo
destes ligeiros estudos, que não têem outro
merecimento senão o de
serem uma pequena contribuição para a historia da
gravura em Portugal.
As minhas circumstancias não me deixam aprofundar nem
proseguir,
quanto desejava, este modestissimo trabalho, que, oxalá,
possa
ainda assim offerecer alguma novidade ou
indicação curiosa.
I
Tanto em Portugal como em Hespanha, grande numero de livros
do seculo XVI apparecem ornamentados de gravuras, que julgo na
[4]
maioria dos casos, de procedencia estranha, tão estranha
como a arte
typographica. Os primeiros typographos que exerceram a arte em Portugal
foram estrangeiros e entre elles torna-se notavel, pelo extenso periodo
em que manifestou a sua actividade, e pelo grande numero de
obras que imprimiu, Germão Galharde, francez. Muitos livros
deste
impressor são adornados de estampas e outros têem
tarjas em que se
lê o seu nome. Estou persuadido que quasi todas ellas vieram
de
fóra do reino, havendo todavia algumas que seriam gravadas
em Portugal.
Assim neste caso parece-me estar o frontespicio da
Ley
que
dispõ quanto tēpo e onde hão
de
estudar os letrados, impressa a 18 de
janeiro de 1539. Numa das pilastras do portico estão as
iniciaes F. D.
que indicam por certo o nome do gravador, e na outra a data 1534.
Este frontispicio, porém, já fôra
empregado anteriormente nas
Constituições
do bispado Devora, impressas em 1534, para as quaes,
sem duvida,
fôra originariamente destinado.
Existe outro livro, impresso por Germão Galharde, que deve
merecer toda a attenção, não
só pelo seu valor historico e linguistico,
mas ainda pelo seu valor bibliographico e artistico: é a
Coronica do
Condestabre de Portugal, de que ha duas
impressões do mesmo typographo,
uma de 1526, outra de 1554. Tanto uma como outra tem no
verso do frontispicio a figura, de corpo inteiro, dum cavalleiro, que,
Innocencio, não sei com que fundamento, diz ser de Nuno
Alvares
Pereira. Parece-me comtudo de phantasia. A segunda impressão
contém,
além d'aquella, outra gravura, que se encontra no fim da
obra,
antes da
Tauoada, que
está nos quatro ultimos folios innumerados.
Bella estampa, que merecia ser reproduzida integralmente, com todo o
escrupulo e fidelidade, como um dos mais importantes documentos da
iconographia portugueza. Esta é que é muito
possivel que fôsse executada
em Portugal. No alto lê-se o seguinte distico:
Esta he a figura do Conde estabre, ao natvral, qvando
estava em
religiam, no Carmo de Lisboa, onde jaz.
Pela parte inferior.
Epitaphius ad ipsius tvmvlum.
Galharde publicou tambem em 1530 um livro classificado entre
os de cavallaria, e que foi traduzido do francez em hespanhol por um
nosso compatriota, rei d'armas de D. João III, Antonio
Rodrigues Portugal.
Intitula-se
Cronica llamada: el triumpho de los nueve
preciados
de la fama, etc., e é adornado de gravuras
representando os heroes
[5]
biographados no livro, entre os quaes Bertran du Guesclin, o celebre
aventureiro frances, que tão notavel papel desempenhou em
Hespanha
nas guerras fratricidas de Pedro o Cruel e D. Henrique.
Um gravador de innegavel merecimento do seculo XVI é
Jeronymo
Luis, que abriu o elegante frontispicio do
Sucesso do
segundo cerco
de Diu, poema de Jeronymo Côrte Real, e o
da
Historia da provincia de
Sãcta Cruz, em que deixou apenas as suas
iniciaes. Ambos os livros
são impressos por Antonio Gonçalves, o typographo
que teve a honra
de primeiro estampar os
Lusiadas.
Noutra obra d'este imprimidor, o
De Rebus Emanuelis, de Jeronymo
Osorio, ha um escudo de armas,
que tem d'um lado a letra
A e do
outro um
G, iniciaes do typographo.
Citarei agora alguns livros, impressos em Portugal, de autores
hespanhoes, os quaes todos se acham adornados com retratos. Um
delles, o mais antigo, é a
Chronographia o
reportorio de los tiempos,
de Jeronymo de Chaves, considerado infundadamente por alguns
bibliographos
como portugues. Imprimiu-a em 1576 Antonio Ribeiro,
em Lisboa, e no frontispicio acha-se, numa gravura oval de madeira,
o retrato do autor, similhante a outro que se encontra numa das
edições
hespanholas.
A volumosa obra poetica de Bartolomé Cayrasco de Figueroa,
Templo militante Flos
sanctorum...., foi elegantemente reimpressa em
Lisboa, em folio, por Pedro Craesbeeck. A 1.ª e 2.ª
partes
comprehendendo
531 pag. tem o titulo enquadrado por 14 vinhetas representando
scenas da vida de Christo e os quatro evangelistas. A data nelle
exarada é de 1613, ao passo que no fim se lê 1612.
No verso da parte
inferior da ultima das 6 folhas preliminares innumeradas incluindo o
frontispicio, ha o retrato de Cayrasco de Figueroa em moldura circular
muito similhante ao da edição hespanhola, que
Salvá reproduz. Tanto
deste retrato como do antecedente, ter-se-iam aproveitado as chapas
originaes, ou sómente os desenhos?
Na Bibliotheca Nacional de Lisboa encontrei o exemplar de uma
obra, que até hoje tem passado completamente desconhecida,
intitulada:
Tratado como se deven formar los quatro esquadrones,
en que
milita nuestra nacion Espanola. É seu
autor o capitão de infantaria
Juan de Carrion Pardo, que a dedicou a D. João da Silva,
conde de
Portalegre. Foi impressa em 1595, em Lisboa, por Antonio Alvares.
Traz dois retratos em busto (repetidos ambos) de militares, um dos
quaes, o mais apparatoso, talvez seja o do conde de Portalegre, e
[6]
o outro do autor. Não trazem
indicações de quem os desenhasse e esculpisse.
O outro livro, finalmente, é de Francisco de Arce,
intitulado
Fiestas reales de Lisboa, e foi
impresso nesta cidade em 1619 por
Jorge Rodrigues. É um folheto em 4.º de 26 paginas
innumeradas, de
que a Bibliotheca Nacional de Lisboa possue um exemplar incompleto.
Acompanha-o um retrato em que se lê este distico:
En los cuarenta
anos de mi edad el famoso Enrique me fecit. Este
retrato falta
tambem no exemplar alludido e soube da sua existencia pela
descripção
que nos dá Gallardo no
Ensayo de una
biblioteca sob o n.º 233.
O mesmo bibliographo nos descreve ainda outra obra de Francisco de
Arce intitulada
La perla en el nuevo mapa mundi
hispanico, etc., impressa
em Madrid por Juan Gonzalez em 1624, a qual traz igualmente
o retrato do autor com esta legenda:
Portugal me
copió en bronce ano
1629 en los 40 de mi edad. Deve haver erro de data,
sendo 1619 e
não 1629.
Combinando as legendas dos dois retratos, sou levado a crer
que o gravador pertenceria á nacionalidade portuguesa, ou
era, pelo
menos, artista que residia em Portugal. Quem seria, portanto, esse
famoso Henrique, de cuja obra
Francisco de Arce se mostrava orgulhoso?
Eis ahi mais um artista desconhecido como tantos outros, de
que não se encontra menção ou
referencia nos tratadistas de arte portuguesa.
Não admira, porém, que assim aconteça,
porque a mina apenas
tem sido explorada á superficie. Aqui temos outro artista,
incontestavelmente
portugues, e que passou incognito aos seus compatriotas. É
possivel que elle exercesse a maior parte da sua actividade no
estrangeiro,
mas isso não nos salva do labéo de
ingratidão e esquecimento
em que o temos deixado jazer. Chama-se elle Luiz Palma e apenas no
Dictionary of Painters, de Michael
Bryant, encontrei os seguintes
traços, que bem pouco esclarecem a sua biographia:
―palma
ludovico, a
portrait
painter and engraver, of Volterra, noticed by
Zany as living in 1650. There are eight etchings and a frontispiece to
a work,
in quarto, printed at Avignon in 1623, with the following title:
«La voye de Lait ou le chemin des Heros au palais
de gloire
à
l'entrée triomphante de Louis XIII en la cité
d'Avignon, 1622.»
The prints are inscribed: palma
ludovicus lusitanus f.―
[7]
Esta inscripção parece que não deveria
deixar a menor duvida a
Bryant sobre a naturalidade do nosso artista, que elle identificou com
outro, homonymo, de Volterra. Consultando Zani para poder resolver
as duvidas que se me offereciam e para averiguar se o pintor e gravador
de Volterra seria uma entidade absolutamente differente, vi que a
indicação do escriptor italiano é o
mais secca possivel e deixou-me
no mesmo estado de incerteza. Trabalharia o nosso artista em Volterra,
e seria por isso considerado italiano? É uma simples
hypothese, que
póde muito bem ser que venha a confirmar-se, e quando
não se confirme,
é curiosa a coexistencia ou quasi coexistencia de dois
artistas
do mesmo nome, pois não repugna que o gravador de 1622
vivesse
ainda em 1650.
O meu amigo e distincto bibliographo sr. Annibal Fernandes
Thomaz, possue um exemplar da
Voye de
Laict, e a este proposito escreveu-me
ha tempos o seguinte:
«Tenho á vista
La Voye de
Laict, Avignon, 1623, 4.º, em que as
estampas, incluindo um retrato de Luiz XIII, são assignadas:
Ludovicus Palma Lusitanus fecit.
Ludovicus palma Lusitanus f.
O livro tem dois frontispicios, um gravado a agua forte, com o
titulo impresso no centro e outro impresso. Nesse anno era Assessor
em Avinhão mr. Pierre Joseph do Salvador, que indica origem
portugueza
ou hespanhola. É curioso debaixo do ponto de vista
artistico,
e bem merecia uma noticia.»
A
Voie de Laict é
bastante rara e não a vejo mencionada em
Brunet. No emtanto tenho-a encontrado descripta em diversos catalogos
de vendas de livrarias francesas e inglesas. A
descripção em todos
parece uniforme, e só no da livraria de M. Martial Millet,
Paris, 1872,
é que, por lapso de certo, se designa 1622 como o anno da
impressão.
O sr. Damasceno Morgand, livreiro de Paris, no seu catalogo
relativo a junho de 1889, punha á venda um exemplar por 200
francos,
annotando-o d'este modo:
«Ce volume fort rare et orné d'un frontispice est
de huit planches
fort remarquables gravées à l'eau forte par
Louis Palma, artiste portugais.
Ces planches qui se déplient représentent les
arcs de triomphe,
[8]
fontaine, palais, etc., élevés pour la
cérémonie dans la ville
d'Avignon.
«Portraits de Louis XIII et de Ch. de l'Aubepine, par
Moncornet.»
Num catalogo de livros de valor, propriedade d'um
gentleman,
postos á venda em Londres, em dezembro de 1890, por
intermedio
de Sotheby, Wilkinson & Hodge, vem descripto outro exemplar sob
o n.º 116 do respectivo catalogo. A respeito das gravuras diz:
Portrait
and large plates etched by Louis Palma, an artist unknown to
Nagleor.
Acrescenta que a obra passou desconhecida a Brunet e Grasse, e que
um exemplar da livraria Beckford fôra vendido por 53 libras e
10
shellings.
No n.º 237 do
Catalogue de livres rares el
précieux composant la
Bibliothèque de M. Hippolyte Destailleur, architecte du
gouvernement,
Paris, Damasceno Morgand, 1891, vem descripto outro exemplar. Ahi
se annota:
«Ce volume fort rare est orné d'un frontispice,
d'un portrait, et
de huit grandes planches fort remarquables gravées
à l'eau forte par
Louis Palma, artiste portugais.»
Por todas estas citações se vê que o
trabalho do nosso artista é
geral e altamente considerado, bem merecendo o seu autor que lhe
ponham o nome em relevo e o tirem do esquecimento em que até
agora tem vivido.
Outro artista desconhecido, e que se nos afigura de grande merecimento,
é o autor de um bello retrato de Diogo do Couto, que
ornamenta
a edição em folio das suas
Decadas, publicada em 1736. Parece
uma photogravura.
O exemplar onde vem este retrato pertence á selecta livraria
que
é hoje dos filhos do venerando juiz do Supremo Tribunal, o
dr. Aguilar,
bibliophilo apaixonado, como o seu parente conde de Azevedo,
ambos fallecidos. É em papel especial, e ainda
não se me deparou outro
que se lhe possa comparar. Não sei tambem de nenhum que
tenha
aquella gravura.
O retrato parece-me de phantasia, muito differente do que vem
na primeira edição das
Decadas, que foi reproduzido no
Catalogo
de Salvá e ultimamente, em estampa separada, no
Circulo Camoneano.
[9]
O historiador português é representado muito mais
moço. O retrato
não valerá, pela similhança, como
documento historico; mas, pelo primor
da execução, valerá como notavel
documento artistico. Está assignado,
numa letra miudinha, quasi microscopica, e, a legenda diz o seguinte:
L. P. Massilli Vlyssip. Sculp. 1722.
Será este Massilli português ou estrangeiro? Que
significará
aquelle
Vlyssip? Que elle era
lisbonense ou que executára a sua obra
em Lisboa? Eis uma serie de perguntas, que surgiram, como era natural,
no meu espirito, e a que me não julgo por emquanto
habilitado
a responder satisfatoriamente.
A proposito do
famoso Henrique que
gravou o retrato de Francisco
de Arce, citei o testemunho de Gallardo; chamarei outra vez a
terreiro o autor do
Ensayo de una biblioteca
hespanhola de libros raros
y curiosos. Sob o n.º 2881 descreve elle uma obra
de
fr. Pedro de
Maldonado,
Consuelo de justos,
impresso em Lisboa por Pedro Craesbeek,
em 1600.
Esta obra, de que existe um exemplar na Real Bibliotheca da
Ajuda, é muito interessante, ainda que não seja
senão pela dedicatoria,
em que se trata amplamente da vida e feitos de Mathias de Albuquerque.
O frontispicio d'este livro é lindamente gravado, segundo
affirma
o douto bibliographo hespanhol, que o descreve d'este modo:
«El frontis está letra y adornos dibujado y
abierto com primor
y delicadeza. El nombre del artista aparece al pie en letra gallarda,
aunque casi microscopica:
Antonius Pintor Lusitanus
exculp.»
Aqui ha um ligeiro lapso. Em vez de Pintor deve lêr-se Pinto,
e o artista é indubitavelmente o mesmo que gravou em cobre o
frontispicio
da Historia do insigne apparecimento de Nossa Senhora da
Luz, de fr. Roque do Soveral, impresso em 1610, em Lisboa, pelo
mesmo typographo que imprimiu o
Consuelo de
Justos. Esta estampa
é assim rubricada:
Antonio Pinto Lusitano
exculp.
Fr. Pedro Maldonado, natural de Sevilha, era da ordem de Santo
Agostinho, e residia no Convento da Graça em Lisboa. Nesta
cidade publicou
mais alguns livros, entre os quaes um,
Traça e exercicios de um
oratorio,
impresso em 1609 por Jorge Rodrigues. O frontispicio todo gravado
em chapa inteiriça de cobre a talho doce, foi feito
expressamente
para a obra, e traz ao centro um bonito medalhão com
emblemas religiosos.
Não apresenta o nome do artista ou artistas que o
executaram.
[10]
II
A gravura é uma das artes em que mais abunda o elemento
estranjeiro,
como facilmente se póde verificar, percorrendo o Indice de
gravadores do
Catalogo dos retratos collegidos por
Diogo Barbosa Machado,
coordenado pelo sr. dr. José Zephyrino de Meneses Brum e
publicado primitivamente nos Annaes da Bibliotheca Nacional do
Rio de Janeiro, de que se fez uma tiragem em separado, em oito tomos
ou fasciculos, o primeiro dos quaes impresso em 1893 e o ultimo
em 1905.
No reinado de D. João V veiu para Portugal uma colonia de
gravadores,
quasi todos franceses, cujos trabalhos se observam em grande
numero de obras publicadas naquella epoca, em que D. João V
poz o
sello da sua magnificencia.
No reinado de D. João VI foi attrahido de Londres a Lisboa,
por
convite do nosso governo, para dirigir a aula de gravura, annexa
á Impressão
Regia, o celebrado artista italiano Francisco Bartolozzi, de
quem foram discipulos alguns gravadores de merecimento, como Gregorio
Fernandes de Queiroz.
Antigamente eram muito vulgares os livros com frontispicios gravados,
os quaes se pódem dividir em duas especies: uns formados por
vinhetas soltas, que se podiam adaptar a diversas obras; outros feitos
expressamente para uma só. A portada da primeira
edição dos
Lusiadas
repete-se em outros livros. Estas vinhetas eram geralmente de
procedencia italiana, como se deduz do confronto entre obras publicadas
nos dois paizes.
No seculo XVII, sobre tudo no dominio filippino, alguns gravadores,
que exerciam a sua actividade em Hespanha, apparecem a rubricar
com seus nomes, obras impressas em Portugal ou relativas ao
nosso paiz, e o mais curioso é que quasi todos
são flamengos. É possivel
que alguns delles estivessem aqui de passagem, e até
chegassem
a estabelecer residencia temporaria, mas o mais provavel é
que elles
executassem em Madrid as encommendas que de cá lhe faziam os
livreiros
e autores.
Mencionarei agora alguns desses artistas, apontando os seus
traços
biographicos, assim como os trabalhos por elles executados, de
que até agora obtive noticia.
[11]
a)
João Schorquens.
Natural de Flandres e um dos melhores gravadores do seu tempo.
Residiu em Madrid, onde entre os annos de 1618 a 1630, executou
diversos trabalhos, de que Cean Bermudes faz uma resenha no tomo
4.º do seu
Diccionario historico de los mas
ilustres
professores de bellas
artes en Espana, impresso em Madrid em seis volumes
no anno de
1800.
Diz o autor hespanhol que onde o buril de Schorquens mais se
esmerou, foi nas estampas da obra de João Baptista Lavanha,
Viagem
da Catholica Real Majestade d'el-rei D. Filippe II... ao reino de
Portugal,
impresso em Madrid em 1622, em duas edições,
sendo uma em
português e outra em hespanhol. Além das vistas
dos arcos triumphaes,
traz outra em maior formato, desenhada pelo nosso compatriota,
o pintor Domingos Vieira Serrão, representando Lisboa e o
Tejo.
Cean Bermudes não teve noticia do retrato de D. Frei
Bartholomeu
dos Martyres, arcebispo de Braga, que vem na sua
Vida, escripta
por frei Luis de Sousa e impressa em Vianna em 1619.
No catalogo descriptivo da collecção de retratos
de Barbosa Machado,
existente na Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, ha tres
numeros referentes a Schorquens.
O n.º 4 é uma arvore genealogica dos reis de
Portugal, que
se
encontra na obra de Lavanha.
O n.º 621 é o frontispicio da primeira e terceira
parte da
Historia
da Ordem de S. Domingos de Frei Luis de Sousa, o qual
foi aproveitado
por Barbosa, por ter cinco figuras de santos da Ordem.
O n.º 1609 é o retrato de Diogo Garcia de Paredes,
extrahido
da obra de Thomaz Tamaio de Vargas,
Diogo Garcia de
Paredes, y
su tiempo.
b)
João de Courbes.
Francês e residente em Madrid, onde executou numerosos
trabalhos,
de parte dos quaes Cean Bermudes faz menção no
seu
Diccionario.
Além das obras apontadas, pelo academico hespanhol possuo a
seguinte:
Vida de la bienaventurada Ritta de Casia religiosa del
Ordem de
S.t Aug.n en
el monasterio de S.
ta Magdalena de
la Ciudad de Casia
en la Vmbria. A la Ex.
ma S. D. Ana Maria de
Portugal y Borja
Princesa
de Melito e Duquesa de Pastrana. Por Frey Alonso de Aragon
[12]
y Borja su sobrino Predicador y Colegial del Orden de S.
t
Augustin en
el que fundo la Ill.
ma Senora D. Maria de
Cordoua y Aragon. En Madrid.
Por la viuda de Luis Sanches Impressora del Reyno. Año.
1628.
Este titulo acha-se num frontispicio gravado, o qual representa
um portico, ricamente ornamentado, tendo em cada uma das columnas
uma figura de mulher, de corpo inteiro. A da direita representa
D.
Maria de la Cerda hija de la Cassa de Medina Celi
etc., a da esquerda
D. Maria de Aragon hija del Rey catolico
Fernando, etc. Depois das
licenças e censuras vem o retrato, em pagina inteira, da B.
Ritta de
Casia, etc.
No
Catalogo descriptivo da
collecção Barbosa Machado ha tres
numeros referentes a Courbes.
O n.º 880 é o retrato de D. Sebastião de
Matos e
Noronha, bispo
de Elvas, e de mais quatro seus antecessores no frontispicio das
Constituições
ordenadas por aquelle prelado, e impressas em Lisboa em
1635.
Os n.
os 1857 e 1862, são os retratos
de Filipe
Sidney e de
sua
mulher.
A actividade de Courbes exerceu-se, pelas notas que tenho, entre
1621 e 1635.
c)
Pedro Perret.
Cean Bermudes diz que elle era natural dos Paizes Baixos, onde
nascera depois do meiado do seculo XVI; que estudára em Roma
com
Cornelio Córt e que, restituindo-se á
pátria em annos adeantados, fôra
gravador do duque de Baviera e do eleitor de Colonia, fixando a sua
residencia em Anvers. Nesta cidade gravou para Filippe II dez grandes
laminas, representando o Escurial e suas diversas partes. Agradaram
tanto a el-rei que mandou vir o artista a Madrid, nomeando-o, a
22 de dezembro de 1595, seu gravador com o ordenado de cem ducados
por anno, pagando-se-lhe á parte as obras que fizesse em seu
serviço.
Falleceu em Madrid pouco depois do anno de 1637.
Bermudes cita muitas das obras, que elle executou em Hespanha,
sendo a primeira o retrato de Santo Ignacio de Loyola. Acrescenta
que são muito estimadas as estampas que fizera antes de vir
para Madrid
e de que cita algumas. Não se refere, porém, a
nenhuma de assumpto
português. Destas passarei a dar conta:
Por encommenda de Manuel de Sousa Coutinho, que, professando
[13]
na religião de S. Domingos, tomou o nome de Fr. Luis de
Sousa, fez
o retrato de Fr. Luis de Sotto-Mayor, celebrado professor de theologia
e commentador da Biblia. A este facto se refere o proprio Fr. Luis
de Sousa no capitulo XVII, do livro 2.º da
Vida de
D.
Fr. Bartholomeu
dos Martyres. No retrato exarou-se um elogio latino,
certamente composto
pelo chronista dominicano e que este transcreve na obra citada
com a traducção portuguesa, que é do
theor seguinte:
«Este retrato em lugar de estatua fez esculpir em bronze
Manuel
de Sousa Coutinho, em honra e memoria de Fr. Luis de Sotto-Mayor,
da Ordem dos Pregadores, lente jubilado das sagradas escripturas na
Universidade de Coimbra em idade de 76 anno e o mais celebre Doutor
n'ellas de todos os do seu tempo, que juntando com a nobresa do
sangue, doutrina, piedade religião e todos os mais arreyos
de virtudes,
faz duvidar em qual seja mais insigne; e foy o fim assi pera que o
amigo, a quem se acha obrigado e que por meio dos seus divinos
escriptos,
como com asas vôa por todas as terras da Europa e Asia,
chegue por conhecimento do rosto aonde por fama teem chegado; como
tambem para alegrar a vista com o mesmo objecto que traz dentro
n'alma e desejoso de o faser competir com a eternidade. Fez a obra
Pedro Pereto, esculptor de El-rei no anno de 1602».
Este retrato acha-se descripto sob o numero 922, no
Catalogo da
collecção Barbosa Machado. Ha de Perret mais os
seguintes retratos:
«Diogo de Paiva d'Andrade.―É subscripto
simplesmente com
as iniciaes do gravador, P. P., e vem no tomo 1.º dos seus
Sermões,
impressos porthumos em Lisboa por Pedro
Craesbeack em 1603.»
«Dr. Ambrosio Nunes.―Tem a seguinte
subscripção:
Petrus Perret.
fc. Encontra-se na obra impressa em Coimbra em 1603,
sob o titulo
de:
Ennarrationes in priores tres libros Aphorismarum
Hypocratis». O
retrato foi feito em 1602, quando o retratado contava 73 annos de
idade.
«Diogo do Couto―Tem a seguinte
subscripção:
P. Perret fecit.
1602. Conjectura o auctor do
Catalogo da
Collecção Barbosa Machado
que talvez seja extrahido da
Decada
quarta, impressa em Lisboa em
1602.»
«Fr. Bernardo de Brito―Tem a seguinte
inscripção:
Effigies ad
vivum Fr. Bernardi de Brito, aetatis suae anno 33
P. Perret scalptor
(sic) Regis fe:»
Fr. Bernardo de Brito fez mais de uma viagem a Madrid e n'uma
d'essas occasiões se deixava retratar ao vivo por Perret, e
a sua efigie
[14]
encontra-se na
Primeira Parte da Chronica de
Cister, impressas em
Lisboa por Pedro Craesbeack em 1602.
«D. Nuno Alvares Pereira―É rubricado simplesmente
com estas
iniciaes
P. P. f.»
Na livraria da Torre do Tombo existe uma obra de Antonio
Suarez de Alarcon, intitulada: Comentarios de los hechos del
señor
Alarcon, marqves de la Valle Siciliana y de Renda―por D. A. S. de
A. hijo del Marques de Torcifal. Madrid Diego Dias de la Carrera
1665. E nella vem um excellente retrato de D. Hernando de Alarcon,
assim subscripto:
Ex Titiani Archetypo―
Peret
esculpsit.
d)
João Noort ou Van
Noort.
Era natural de Flandres, e veiu para Madrid, onde gravou, com
mais delicadeza de buril que boas fórmas de desenho, varias
portadas
de livros, retratos e santos. Estas são as palavras com que
Cean Bermudes
inicia o artigo que lhe diz respeito, passando depois a enumerar
algumas obras executadas entre 1628 e 1652.
Não menciona, porém, as seguintes:
Dois retratos de D. Filippe III de Portugal, descriptos no Catalogo
da collecção Barbosa Machado sob os n.
os
425 e
426.
Retrato de D. Frei Bartholomeu dos Martyres, o qual tem na
margem inferior: 1.º
Don
Fray Bartolome de los
Martires de
la Orden de S. Domingos Arçobispo y Señor de
Braga insigne en dotrina
y Santidad. Murio a 16 de Julio de 1590 a los 76 años de su
edad. 2.º
Joan
de Noort f.
Este retrato acompanha uma biographia em hespanhol do eminente
prelado bracarense, sacada de diversos autores por Luis
Muños, e publicada
em Madrid em 1646. O que vem na sua
Vida, escripta por
Fr. Luis de Sousa, foi gravado por Schorquens, como já fica
dito.
Retrato de Manuel de Faria e Sousa, tendo na margem inferior
os seguintes dizeres:
D. Fr. de
la Reguera y Serna delin. I. de
Noort f.
Este retrato acha-se descripto sob o numero 948 do
Catalogo da
collecção Barbosa Machado, onde se diz que
é copia de outro descripto
sob o numero 952, o que é completo equivoco, pois o inverso
é
que é verdade. O primeiro adorna a obra de D. Francisco
Moreno
Porcel, intitulada
Retrato de Manuel de Faria y Sousa,
relacion de su
vida y catalogo de sus escriptos, impressa em Madrid
em 1650. O descripto
[15]sob o numero 952
acha-se na segunda
edição desta mesma obra
e é gravado por Bernardo Fernandes Gayo, que floresceu um
seculo
depois de Noort.
Numa obra de Faria e Sousa, impressa em Madrid em 1650, sob
o titulo de
El gran justicia de Aragõ Don
Martin Batista de Lanuza,
vem o retrato deste, rubricado com o monogramma de Noort. Descripto
sob o numero 1646 no
Catalogo da
collecção Barbosa Machado.
e)
Pedro de Villa Franca de Malagon.
Reproduso do Diccionario de Cean Bermudes os seguintes
traços
biographicos que lhe consagra:
«Gravadôr de laminas e pintor. Nasceu na villa de
Alcolêa, na
Mancha, perto de Calatrava e aprendeu a arte da pintura em Madrid
com Vicencio Carducho. Adeantado no desenho, dedicou-se a gravar
a buril com grandes progressos naquella epoca, em que esta arte
não
estava muito adeantada em Hespanha. Tornou-se notavel a sua habilidade
no anno de 1640 com a portada do livro
Vida y hechos
del gran
condestable de Portugal D. Nuno Alvares Pereyra, de
Rodrigo Mendes
de Silva, que representa um frontispicio com o escudo d'armas de
Mendez de Haro: em 49, com o retrato de José Casanova,
mestre de
primeiras letras, acompanhado de creanças escrevendo, de
anjos com
escudos e de outras figuras; e em fim com outras obras que o
acreditaram
a tal ponto, que Filippe IV o nomeou seu gravador de camara
por cedula de 8 de dezembro de 1654 com o mesmo ordenado de cem
ducados que tinha tido Pedro Perret».
Continua citando outras obras, deixando de referir mais por que,
diz elle, seria prolixo enumeral-as.
A
Vida y hechos del gran
condestable, além da portada, tem tambem
dois retratos, sendo um do condestavel e outro do autor da obra
gravados pelo mesmo Villa Franca, o qual se acha descripto sob o numero
955 do
Catalogo da
colecção Barbosa Machado, e ali se faz referencia
a outro estado da mesma estampa. Salvá ao descrever esta
obra
sob o n.º 3475 do seu catalogo, indica apenas o primeiro
retrato.
Ha mais os seguintes gravados por Villa Franca, relativos a
individualidades
portuguesas:
Retrato de S. João de Deus, tendo a seguinte
subscripção:
Petrus
de Villafranca sculptor Regius sculp. Matriti 1658.
Retrato de Luis de Camões gravado em 1639 e que se encontra
[16]
na obra de Faria e Sousa,
Lusiadas de Luis de
Camoens... Commentados...
impressos em Madrid no mesmo anno.
Retrato de Faria e Sousa na mesma obra.
Retrato de Fr. Feliciano de Sousa Diniz, gravado em 1642. O
retratado, religioso de Santo Agostinho no real convento de S. Filippe
de Madrid, era sem duvida português, como o indica o nome, e
por se achar na collecção Barbosa Machado, em
cujo
Catalogo vem
descripto sob o numero 942.
D. Martim Soares de Alarcon, extrahido da
Corona
sepvlcral,
Elogios en la muerte de D. M. S. de A.... escritos por diferentes
plumas.
Sacados a luz por Don Alonso de Alarcon... Madrid
1652.
O frontispicio desta obra é tambem gravado pelo mesmo
artista
que subscreve da seguinte maneira:―
Petrus de Villa
Franca inuent
et sculp, Matriti 1652.
f)
Vorstermans (Lucas).
Fr. Francisco de S. Luis incluiu na sua lista, dando d'elle uns
breves apontamentos biographicos extrahidos do
Dictionnaire d'Architecture
etc. de C. F. Roland de Virloys, Paris 1770.
Parece não ter conhecido senão um artista deste
nome, quando
houve pae e filho. Do
Biographical and critical
dictionary of painters
and engravers, de Michael Bryant publicado em 1858,
extrairei os
seguintes apontamentos biographicos relativos a um e outro:
Lucas Vorstermans, senior.―Este
eminente gravador nasceu em
Autuerpia cerca de 1580 e estudou primeiro pintura na grande escola
de Rubens; mas depois, aconselhado pelo seu illustre preceptor,
consagrou-se
inteiramente á gravura. Nenhum pintor teve a
satisfação de
ver tão grande numero das suas melhores obras,
tão perfeitamente gravadas
como Rubens. Rodeado de artistas de superior habilidade, que
trabalharam immediatamente sob as suas vistas e que tiveram a vantagem
da sua assistencia e dos seus conselhos, foi por este modo, que
conseguiu imprimir a belleza e excellencia nas suas gravuras. D'elles
nenhum gravou successivamente mais obras de Rubens do que Lucas
Vorstermans. A sua maneira de gravar é correcta, e as suas
cabeças são
dotadas de muita expressão. As suas laminas são
executadas inteiramente
com o buril, que manejava com grande facilidade, comquanto
fosse muitas vezes mais attento ao effeito geral do que á
nitidez e regularidade
da execução; e nas suas melhores estampas
transcreveu
[17]
com uma fidelidade surprehendente a vida e o espirito das pinturas
originaes. A sua estampa da Adoração dos Magos,
de Rubens, é considerada
uma das mais bellas producções da arte. Visitou a
Inglaterra
no reinado de Carlos I, residindo alli «8 annos, de 1623 a
1631»,
tendo trabalhado para o monarcha e para o Conde de Arundel. Vosterman
assignava usualmente com o seu nome, e algumas vezes usou
a cifra seguinte [VL].
Lucas Vorstermans, junior―Foi filho do anterior e nasceu em Antuerpia
pelos annos de 1605. Comquanto tivesse a fortuna de ter tido
as lições de seu pae, as suas gravuras
são realmente inferiores, a todos
os respeitos, ás do velho Vorstermans, e nunca passou da
mediocridade.
S. Luis cita duas obras impressas em Lisboa, cujos assumptos
foram executados pelo buril de Vorstermans. Uma dellas é a
Harmonia
scripturae Divinae, emodulans actiones laudabiles,
vel vituperabiles virorum,
ac faeminarum, Antiquo, aut Novo relatos
Testamento..., do
jesuita Diogo Lopes, natural de Beringel, doutor em theologia e
professor
na Universidade de Evora.
O livro saiu dos prelos de Lourenço de Anvers, em Lisboa, no
anno de 1646. O anterosto tem nos angulos inferior, á
direita:
Lucas
Vorstermans inventor et sculpt.; e á
esquerda:
Anno MDCXXXXVI.
Diogo Lopes vem incluido no Diccionario Bibliographico, de Innocencio,
que todavia só cita delle um
Sermão em
português, deixando
de enumerar, segundo o plano adoptado, as obras em latim.
A outra obra é a
Chronica da Companhia de
Jesus, de Balthasar
Telles impressa em Lisboa, por Paulo Craesbeeck em 1645-47. O
anterosto do 1.º volume tem esta
subscripção:
Lucas Vorstermans, inventou,
et sculpio. Ulyssipone, ex typograph. Pauli Craesbeeck, an.
1645.
O do 2.º é de buril differente e muito superior ao
primeiro, tendo a
seguinte subscripção:
Gr. Huret
f.
Daquella subscripção não se deve
deduzir necessariamente que
Vorstermans trabalhasse em Lisboa. A sua
collaboração nas obras impressas
por Paulo Craesbeeck e Lourenço de Anvers explica-se
naturalmente
por serem patricios, os typographos e o artista.
As estampas de Lucas Vorstermans ora são assignadas com este
nome unicamente, ora com mais o appellido
senior, o que serve para
o distinguir do filho. No
Catalogo
da collecção dos retratos de Barbosa
[18]
Machado, vem attribuido um de André dos Santos a Lucas
Vorstermans
Junior. Esta asserção não é
todavia fundada em bases solidas,
porquanto a gravura tem as margens aparadas e apenas se lê
por letra
manuscripta esta indicação:
Luc.
Wostermas. f. de. L. Wort. o abrio
em Lix.a
Eis um ponto, que julgo problematico e digno de ser esclarecido.
Consulte-se o n.º 1980 do referido
Catalogo.
Na supracitada collecção ha muitas gravuras de
Vorstermans: o
retrato de D. Duarte (n.º 479) e o do P.
e
Antonio da
Conceição, proveniente
da obra:
Extracto dos processos... sobre a vida e
morte do veneravel
P.e Antonio da
Conceição... ordenado pelo P.e
Fr. Luis de
Mertola. Lisboa. 1647. (n.º 797).
Retrato de D. João de Castro, o qual ornamenta a vida deste
heroe
por Jacintho Freire de Andrade, impressa em Lisboa em 1651.
(n.º 1222).
Os demais retratos são de estrangeiros: João Van
Mildert (n.º
1506); Justo Lipsio (n.º 1628); Thomaz Morus (n.º
1825); Octavio
Piccolomimi, conde de Amalfi (n.º 1826); conde de Fontaine
(n.º
1828);
Claudio Mangis (n.º 1835); Carlos, duque de Bourbon
(n.º 1847);
anonimo (n.º 1858); Erasmo (n.º 1921); Gerardo Leghen
(n.º 1962).
O Sr. Annibal Fernandes Thomaz communica-me ter conhecimento
de mais obras de Vorstermans, a saber: Ante-rosto de
Exhortação
militar ou lança de Achilles, do Padre
Timoteo de Ceabra Pimentel.
Lisboa 1650.
Brasão Portuguez, ladeado por duas figuas de corpo inteiro
tendo
na parte inferior de cada uma
Fides-Fortitudo, Lucas
Vorstermans fecit.
Ante-rosto allegorico do
El mayor
pequeño de D. Francisco Manoel
Lisboa 1647, assim subscripto
[VL]orstermans
f.
III
Dudley (Thomaz)
O nome deste gravador, passára até agora
desconhecido aos que
entre nós se têem occupado de biographia
artistica. Menciona-o pela
primeira vez o
Catalogo descriptivo
da collecção de retratos de Diogo
de Barbosa Machado, onde vem apontados os seguintes:
453―Retrato em creança e allegorico de D. João
IV;
[19]
454―Retrato do mesmo quando acclamado rei.
Estes dois retratos encontram-se a pag. 583 e 3 do
Cordel triplicado...
Lisboa, 1680. de D. Antonio Ardizone Spinola. Além disso
contem mais dois, sendo um o do principe regente depois D. Pedro
II, e o outro do autor da obra.
485―Retrato do principe D. Theodosio, duque de Bragança,
filho
de D. João IV, mallogrado herdeiro do throno.
Vem na obra do Dr. Manuel Luis, jesuita, intitulada:
Theodosivs
Lvsitanvs sive principis perfecti vera effigies...
Eborae 1680.
A subscripção do gravador diz:
Tho: Dudley Anglus fecit Vlyssipone
1679. D'aqui se conclue que elle era
inglês, e que trabalhava em
Lisboa em 1679.
IV
Massili (J. P.)
O retrato de Diogo do Couto de que tratei no 1.º artigo,
acha-se
na collecção Barbosa Machado, em cujo
Catalogo vem descripto
sob o n.º 926.
Ahi se apontam mais dois retratos sob os n.
os
1203 e 1212,
sendo
um de Lopo Vaz de Sampaio e outro de D. Garcia de Noronha. Apezar
de não se acusar a procedencia de nenhum delles, estou
convencido
que os dois ultimos seriam igualmente destinados á
edição de
1736 das Decadas de Couto.
O livreiro Maia tinha ha pouco um exemplar desta obra em que
se via o retrato de Couto.
Na livraria da Torre do Tombo existe um exemplar da Decada
quarta da edição de 1602, á qual
juntaram o retrato de Couto, gravado
por Massili em 1722.
Sousa Viterbo.