The Project Gutenberg EBook of Galatéa, by António Joaquim de Carvalho This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.net Title: Galatéa egloga Author: António Joaquim de Carvalho Release Date: June 8, 2007 [EBook #21780] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK GALATÉA *** Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) GALATÉA EGLOGA. PRIMEIRA, E SEGUNDA PARTE POR ANTONIO JOAQUIM DE CARVALHO. LISBOA: M. DCCCI. NA OFFIC. DE SIMÃO THADDEO FERREIRA. _Com Licença da Meza do Dezembargo do Paço._ AO LEITOR. Esta primeira Egloga, ha 16 annos impressa, agora faço-a reimprimir, para tirar-lhe as lisongeiras Cartas, para emendar-lhe algumas passagens com melhor escolha, para curar-lhe alguns vicios gerados por aquelles, que duas vezes a reimprimírão, a pezar do meu gosto, e para ligar ambas as Partes, por que a primeira dá a materia para a segunda. Se me increparem, porque faço domavel o Gigante Polyfemo, contra a opinião dos melhores Poetas, respondo: He verdade, que a Fabula nos mostra este Cyclope hum monstro de crueldade, de extraordinarias forças, e destemido: hum tragador de seis companheiros de Ulysses, e delle mesmo o seria, se astucioso não lhe fugisse: hum soberbo em fim, que declamava, que nem ao mesmo Jupiter temia; mas pergunto: Este Gigante era humano, ou não? Todos me dirão, que sim. Pois se era humano, era sugeito ao imperio da Razão, com cujas armas o ataco, e o venço: e só seria inverosimil, se eu com a razão accommettesse hum Tigre, hum Leão, huma Serpente. Se os mais não pizárão esta estrada, porque não quizerão, pizo-a eu, porque quero, e por que posso, sem atropelar a verosimilhança. Se altero o caracter da Egloga; se me aparto da simplicidade pastoril; se faço inflammar Polyfemo, e respirar vingança, he porque eu não pinto hum daquelles Pastores do Seculo de oiro, em que reinava a mansidão, e o socego de espirito; pinto hum Cyclope, hum Pastor ferino, que abrazado no ciume, e na ira, deo barbara morte ao mancebo Ácis, lançando-lhe em cima hum penhasco: catástrofe, que eu não pinto, por não fazer huma Egloga com espirito de Tragedia. Eu tive a fortuna, de que alguns homens (discrétos homens!) dissessem, que não era minha a minha Egloga Deploratoria intitulada JOSINO na chorada morte do Principe o Senhor D. JOSÉ. Eu serei feliz, se agora tiver a mesma fortuna, porque se esses contrastes duvidarem de ser minha esta obra, boa será ella pela sua avaliação. Esses, que duvidão, examinem, busquem, descubrão o legitimo Author, e o mostrem para gloria sua, e descredito meu. Conheça o mundo o homem virtuoso, o homem raro, que se cançou naquella composição, para renunciar em mim a posse, o lucro, e o credito della. E se eu a furtei, onde estás homem roubado, que não acodes ao teu cabedal, sabendo, que em meu poder existe? Denuncía-me; clama justiça contra mim. Ah! Ninguem falla? Ninguem me acusa? Pois acuso-me eu, mas he da temeridade de emprehender a guerra sem ter armas: de querer lugar na Républica das Letras sem ser Cidadão de Athenas: de fazer Versos sem beber da Castália, sem soccorro das Musas, sem conhecer Apollo. Os Versos (toscos Versos) que ha trinta annos escrevo, são os denunciantes, as testemunhas, e os Juizes do meu crime. Acusem-me, como eu me acuso deste delicto; porém não de roubador, officio imfame, que não cabe em almas honradas; mas se os críticos me arguirem pelos pobres, insulsos Versos, devem igualmente attender em minha defensa, que estes se não tem mel, tambem não tem veneno; se não deleitão, tambem não ferem. Isto supposto, fação-me Justiça. GALATÉA EGLOGA. PRIMEIRA PARTE. INTERLOCUTORES. POLYFEMO, E LAURINDO. POLYFEMO. Ah! Campos, campos meus! Vós, que algum dia Me servieis de amavel companhia: Vós, que os ouvidos daveis ao meu canto, Prestaimos boje, para ouvir meu pranto; Se bem, que assáz me custa magoar-vos, Depois de com meu canto deleitar-vos; Mas eu adoçarei a vossa mágoa, Dando-vos de meus olhos rios de agua: Com ella florecei para os viventes, E á custa do meu mal vivei contentes, Que eu não vos lograrei, não; nem já gora A minha morte póde ter demora; Os Ceos a mandem, que em tormentos fortes Huma morte he melhor, que muitas mortes. Ah! Campos, se vós fosseis animados, E ponderasseis bem os meus cuidados, De mim aprenderieis, que a ventura, Ao que nasceo feliz, he que procura: E Aquelle, que nasceo já desgraçado, Sempre lhe foge com semblante irado. Mas quem he, que este monte vem subindo? Pelo trage he Pastor: sim, he Laurindo, Que talvez magoado d'escutar-me, Quer meios procurar de consolar-me: Em vão, em vão se cança, se o intenta; Que em vez de alivio dar-me, a dor me augmenta. Agora mais me vejo impaciente, Que até me afflige a vista de hum vivente: Mas elle vem, não posso resistir-lhe, Já não posso esconder-me, nem fugir-lhe; Se fujo desta parte, he ribanceira, Se daquella, me affogo na ribeira; Pois nella acabarei, morrer não temo; De huma só morte acabe Polyfemo. LAURINDO. Detem-te, amigo, e espera, que fazias? A ti mesmo matar-te pertendias? Seres comtigo mesmo ímpio tyranno, Para hum damno evitar com maior damno! POLYFEMO. Deixa, deixa, que eu morra por piedade, Porque morrendo, evito a crueldade Dos ímpios Deoses: ah! Viver não quero, Pois vida tão penosa não toléro: Tu contarás á falsa Galatéa, Que por ella me expuz á morte feia; Porém no peito o coração me estalla, Vendo, que Ácis tyranno ha de logralla: Mas logre-a, logre-a, embora, oh que tormento! Que eu só, por tal não ver, morrer intento. LAURINDO. Socega, amigo, queres dessa sorte Dar a vida, por quem te causa a morte? Queres vingar-te della socegado? Desprezou-te, despreza-a: estás vingado. POLYFEMO. Desprezar Galatéa, e offendella Quando só morrer por ella! Isso não, que depois de eu adoralla, Valor não tenho para maltratalla: Ella pratique embora a crueldade, Que eu não devo imitar-lhe a impiedade. LAURINDO. Conheces, que te offende essa perjura, E inda morres por ella? Oh que loucura! POLYFEMO. Sim, amigo, traidora a considero; Mas quiz-lhe bem: querer-lhe mal não quero. Eu não lhe amo o rigor, sim a belleza, Que he parto singular da natureza: Tu, que a conheces, vê, se razão tenho Para adoralla com tão grande empenho: O lindo rosto, aquelles olhos bellos, Tão matadores, que em chegando a vêllos, Parece, que do rosto lhe saltavão, E que para não vêllos me cegavão. As loiras tranças, bem como doiradas, Sobre seus alvos hombros espalhadas. Se as costas me voltava por desprezo, Como que a ellas me levava prezo: Nas lindas faces se me figuravão Duas papoilas, que entre a neve estavão. A boca, que em conceitos sempre acerta, Parecia huma rosa meia aberta; Mas quando grave, e graciosa ria, Oh quanto então mais bella parecia! Mostrando os claros dentes, que esmaltavão Seus beiços, que de nácar se formavão; E co'a força do riso as faces bellas Duas covas fazião como estrellas. As mãos por engraçadas, e pequenas Parecião formosas açucenas. Mil vezes quiz beijar-lhas; porém ella, Que o damno prevenia na cautéla, Escondendo-as, de mim mais se affastava, Que até nisto ser casta bem mostrava. Estas bellezas, esta honestidade Forão prizões da minha liberdade, E quanto as lindas mãos mais me negava, Tanto as doces prizões mais me apertava; Mas n'huma sésta vi, que ella dormia Junto do pote, que na fonte enchia: Vou-me pé ante pé, e hindo a beijar-lhas, Me arrependi, porque temi manchar-lhas. Nem só para pegar-lhes valor tinha, Porque mão tão grosseira, como a minha, Não devia tocar aquella neve, Que só com outra igual tocar-se deve; Mas immovel fiquei, pois só gostava De ver a bella acção, em que ella estava. O branco rosto sobre o curvo braço, Outra mão tambem curva no regaço: O corpo reclinado sobre a fonte, E a curta sombra, que lhe dava o monte, Só metade do rosto lhe cubria, Que muito mais formosa inda a fazia. Eu, que só me detinha em admiralla, Sem que tivesse intento de acordalla; Como de gosto estava arrebatado, Sem que eu sentisse, cahe me o cajado: Dá-lhe nos pés: acorda ella assustada, Vê-me, levanta-se, e com voz irada Me diz: "Vil, só comigo! Que fazias? "Dize: acaso offender-me pertendias? "Se por gigante intentas de vencer-me, "Matar-me poderás, mas não render-me: "Que a minha honestidade he tão constante, "Que não cede á violencia de hum gigante. Não, (eu lhe respondi) não te offendia: Nem de ti outra cousa pertendia, Mais do que ao menos, pois te não lograva, Ver-te: e so com te ver me contentava. Se nisto te offendi, ou me desculpa, Ou me castiga, se me achares culpa: Que se eu da tua mão for castigado, Serei ditoso, se antes desgraçado. Mas dize-me, cruel, se me estimaste, Porque razão sem culpa me deixaste? E se indigno me achavas para amante, Porque juraste de me ser constante? Que resposta daria a fementida? "Vai-te louco, (me diz) que aborrecida "Até de ouvir-te estou, nem posso dar-te "Outra razão maior de desprezar-te, "Senão, que as Leis de Amor já não tolero: "Amei-te, em quanto quiz, hoje não quero. "Em fim, tu não és do meu agrado: "Basta: vai-te, que estás desenganado. E com este rigor aquella ímpia Foge: chamo-a, mais ella me fugia: Eu vendo a ir tão bella, quanto irada, Corpo gentil, cintura delicada, Afflicto exclamo: Ah! Deshumana féra! Nunca te eu víra, ou nunca te perdêra. LAURINDO. Ainda louvas a ingrata por formosa, Quando enorme se fez, sendo aleivosa? Polyfemo, se queres ser discreto, Não recordes a offensa, nem o affecto: Que o affecto tambem o tempo o gasta, E a offensa he parto de huma louca, basta Que á razão nunca os olhos tem abertos, E sem luz que fará? Mil desacertos: Por isso áquelle, que extremoso a trata, A paga, que lhe dá, he ser-lhe ingrata. Bem como o bravo lobo carniceiro, Que vê, que a innocencia de hum cordeiro Não péde entranhas ter para aggravallo, Por isso mesmo quer despedaçallo; Mas se este acha hum rafeiro, que o extingue, Tambem ella achará quem bem te vingue: E no entanto o melhor he esquecella, E se possivel for, nunca mais vella. POLYFEMO. Tambem deixar de a ver he impossivel, Porque sem vella, a dor mais insoffrivel Creio, que dentro n'alma padecesse, Como a flor, que sem Sol murcha, e não cresce. Ah! Se eu agora a visse, e lhe fallasse, Talvez que a meus gemidos se abrandasse: E póde ser, que a achasse arrependida De perder, quem por ella perde a vida. Oh quão feliz seria a minha sorte, Se ella abrandasse aquelle genio forte! Do desprezo, e d'affronta eu me esquecêra, Se hum riso, se hum sinal de amor me déra. Tudo, tudo por ella perderia: Sem gado, sem choupana ficaria: Sujeitar-me-hia pelos seus amores A viver das esmolas dos Pastores: Pois sem logralla, tudo me he penoso, E logrando-a, sou pobre; mas ditoso. LAURINDO. Se amas com tanto extremo a huma traidora, Que mais fizeras, se fiel te fôra? POLYFEMO. Esta alma, que me anima, se pudesse, Creio, que em paga d'esse amor lha désse, Amando-te, era justo premialla; Mas desprezando-te, he loucura amalla: Sim, que o homem não mostra ser discreto Amando a falsa, que tem outro objecto: Pois daqui nasce a mancha da deshonra, E antes se perca a vida, do que a honra. Que se havia dizer na nossa Aldêa, Se depois dessa ingrata Galatéa Por outro te deixar, tu a buscasses, Esquecido d'affronta inda a estimasses? E não tremias, não te envergonhavas De dizerem, que a honra desprezavas? Ah! Querias do amor ser arrastado, Perdendo a fama, e credito de honrado? Dize, responde, a falla não escondas; Mas ou me vence, ou nada me respondas. POLYFEMO. Nada responderei por defender-me, Pois por sábio chegaste a convencer-me: Se a paixão me cubrio de escuridade, Tu me mostraste as luzes da verdade: Agora já conheço, que essa ímpia Mais féra, que o dragão, que o monte cria, Nem amor, nem piedade já merece, Pois por outro me deixa; e assim se esquece Da fé, que me jurou, e da lealdade, Com que sempre a tratei; que a falsidade Não podia caber n'hum peito amante, Que ainda offendido mostra ser constante. Eu, que até ás Pastoras, quando as via, Nem ainda, o Ceo vos guarde, lhes dizia: E se acaso de longe as avistava, Por lhes fugir, a estrada rodeava. Tudo isto por fineza áquella infame, Que, só tão feio nome, he bem lhe chame; Porque a saber, que ás outras eu fallava, Não julgasse, que alguma me agradava; Porém que premio vim a tirar disto? Sabes o que? Com todos ser malquisto: Desprezarem-me todos, ver-me agora Aqui só, sem amigos, nem Pastora: E a falsa, tanto extremo desprezando, Amar outro, e ficar de mim zombando! E soffro tal injúria sem vingar-me! Poderei socegar sem despicar-me! Não, não socegarei, que hum peito irado Socega só depois de estar vingado. Sim, vou já despicar-me... Mas que intento! Que faço! Aonde vou! Que pensamento He este, que me occorre! Oh quanto errado Gyra o discurso de paixão cercado! Eu matar Galatéa! Oh que vileza! Naquella rara imagem da belleza Descarregar o golpe penetrante! E havião ver meus olhos nesse istante Aquelle brando peito traspassado! O rosto, bem qual Sol quando eclipsado! E os olhos, que daquelle Sol são raios, Perdendo a luz na sombra dos desmaios! Aquellas lindas faces tão córadas Eu poderia vellas desmaiadas! A boca rubicunda, e graciosa, Bem qual entre jasmins a linda rosa, Eu teria valor, teria vida, Para vella sem graça amortecida! E havião escutar-lhe os meus ouvidos O pranto, os ais, e os ultimos gemidos: Já com trémola voz, e a cada instante Vella convulsa, afflicta, e delirante, Sem alento, sem côr desfalecida, Dando hum suspiro, e acabando a vida! Oh Ceos! Que horror concebo em ponderallo! Eu tremo, gélo-me, e de dor estallo: Que coração tão barbaro haveria, Que obrasse tão enorme tyrannia? Eu teria valor, se a offendesse, Para vella morrer, sem que eu moresse? Não, não teria tanta impiedade, Que vendo cahir morta hume Deidade, Não me sahisse deste insano peito? O duro coração de dor desfeito. Nem mais contemplar quero tal desgraça, Que parece, que o Ceo já me ameaça, Que a terra vejo abrir, que já comigo Se abate, e me confunde por castigo. Ah! Minha Galatéa, vive embora, Bem que me sejas infiel, traidora: Ainda te amo, se bem, que o não mereças; Eu padeça, mas sem que tu padeças: Vive feliz, e logra o teu amante: Oh justos Ceos, que dor tão penetrante! Mal posso respirar, que até o alento Me soffoca a violencia do tormento. Vai-te, amigo, e me deixa só hum pouco, Que eu não estou em mim, eu estou louco: Oh! Venha embora a morte rigorosa Acabar-me esta vida tão penosa. LAURINDO. Deixa, amigo, esse louco desvario, Que o ser de homem deslustra, offende o brio: E que o mundo dissesse pertendias, Que por huma mulher enlouquecias? POLYFEMO. Tambem dirá, que não me altéra a offensa, Pois toléro a inimiga na presença. LAURINDO. Perdoando-lhe tu por generoso, Que ha de o Mundo dizer? Que és virtuoso. Mas se a fraca mulher ímpio punias, Só de cubarde o nome vil terias. POLYFEMO. Sim, perdoada está: eu lhe perdoo, Pois da sua fraqueza me condoo; Tambem, porque talvez seja innocente, Se bem que a culpa a accuse delinquente; Galatéa he honesta, he recatada: Pois quem duvida fosse requestada D'aquelle Ácis traidor, e que a enganasse Com vãs promessas, para que o amasse? LAURINDO. Pensas bem que a mulher de honesto estado, Se dá seu coração, sempre he rogado; Se bem que o rogo algumas não convence; Mas a feia ambição a muitas vence. POLYFEMO. Sim? Pois hoje verás, que a minha ira Só contra aquelle infame se conspira: Elle, por me arrancar de amor a palma, Me roubou a doce alma da minha alma, Vista dos olhos meus, bem como estrella, Que luz me dava, para poder vêlla. Clara luz, doce vida, alma preciosa, Tudo perdi. Oh scena lastimosa! Tudo o vil me roubou; porém protesto Fazer o seu castigo manifesto Ao Ceo, á terra, a todos os viventes: Elle me offende, as culpas são patentes; Pois o proprio delicto he, que o condemna, A que segundo a culpa, sinta a pena. LAURINDO. Queres que a morte de Ácis justifique Huma céga paixão, hum vil despique? POLYFEMO. Quero, porque da injúria se não gave, Que o proprio sangue a sua culpa lave: E se neste lugar já o apanhára, O coração do peito lhe arrancára. LAURINDO. Dize: se a Galatéa perdoaste, Depois que a culpa enorme lhe provaste, O Pastor, que he talvez menos culpado, Porque não he, como ella, perdoado? POLYFEMO. Ella sim: me offendeo; mas obrigada, E merece perdão por violentada; Mas elle não he digno de clemencia, Pois mais culpado está pela violencia. LAURINDO. Aqui não ha violencia, ha certa culpa, Que Amor condemna, e logo Amor desculpa, Delicto immensas vezes praticado Por quem ama, e pertende ser amado. POLYFEMO. Assim se obra; mas sempre he falsidade, Quando offende as leis santas d'amizade. LAURINDO. He máo quebrar a Lei; mas que te espanta, Se ella te jurou fé, e a fé quebranta? Polyfemo, discorre mais prudente; Vence-te a ti, se queres ser valente: Eu teu amigo sou, eu sou mais velho, Tu, que és mais moço, toma o meu conselho No falso Amor não faças confiança: Desterra a ira, foge da vingança, Que esta inquieta, aquella te amofina: De qualquer dellas sempre vem ruina. Males, que tu não queres supportallos, Não deves para os outros desejallos, Que ás vezes são, qual pedra despedida, Que no mesmo que a deita, abre a ferida: Queres a morte de Ácis? Não ponderas, Que póde em ti cahir, se nelle a esperas? Teme o Ceo vingador, teme-lhe a ira: O Ceo, que a vida dá, só elle a tira: Só elle sobre as vidas tem dominio, E não deves oppôr-te ao seu designio; Nem ao menos vingar-te levemente Poderás, sem que fiques delinquente. Olha, que para Jupiter Supremo He menos, que hum mosquito, hum Polyfemo. Á voz só do seu raio penetrante Treme de susto a rocha mais constante. Foge, foge de o veres irritado, E não faças, que a mão levante irado. Ah! Já, mudas de côr, tremes, e pensas? Pois a ti mesmo, espero, te convenças. POLYFEMO. Tremo de confusão, e de mim tremo; Os castigos do Ceo Respeito, e temo; Mas o affecto, a paixão, a honra, a offensa Não me deixão acção, em que eu me vença: Vejo a justa razão, quero seguilla; Mas a paixão vem logo a destruilla: Que este meu coração nunca descança De chamar-me ao caminho da vingança. LAURINDO. Qualquer paixão, qualquer impaciencia Se vence com discurso, e com prudencia. POLYFEMO. Tão desgraçado sou, que neste empenho Nem já discurso, nem prudencia tenho: Quem vio tão enredado labyrintho Como este, que na idéa, e n'alma sinto! Deoses, se justos sois, ou dai-me a morte, Ou me livrai de confusão tão forte; Eu se vingar-me vou, me precipito; Porque aos Deoses offende o meu delicto: Se assento em perdoar, não persevero, Porque em vendo o offensor, logo me altero; Porém hum novo meio já me occorre: Melhor acerta, quem melhor discorre. Eu não quero incitar ao Ceo clemente, Mas para não vingar-me do insolente, Eu fugirei de o ver, que ao vêllo, logo A cinza quente exhalaria fogo. Deixarei estes monte, estes prados, Que a verdura me davão para os gados: Irei viver nas mais occultas brenhas, Onde gente não veja, mas só penhas: Da vingança, e d'affronta assim me privo, E ninguem sabe se sou morto ou vivo. LAURINDO. Resolves bem, amigo; sim, he justo Fugires do perigo a todo o custo; Porque busca a desgraça todo aquelle, Que vendo o damno, não se aparta delle: Perca-se a Patria, perca-se a fazenda, Perca-se tudo, e nunca o Ceo se offenda. Tu sim perdes lavoiras, e o serrado; Mas o Ceo, que esses bens te havia dado, Te dará novos campos mais extensos, Donde possas colher frutos immensos: Quem perder pelo Ceo, fique esperando, Que em vez da perda, ficará lucrando: Se a tua choça perdes, caro amigo, A minha he grande, vivirás comigo: Para a tua lavoira dar-te-hei terra Da campina, que tenho, além da serra; Dar-te-hei duas palmeiras mui frondosas, Donde colhas as tâmaras gostosas: Dar-te-hei duas formosas aveleiras, Tortas sepas, viçosas oliveiras: E do mais fruto, que o Ceo der, pendente Repartiremos ambos irmãmente. Para o gado lá tens viçosa relva, Lá tens para o recreio a linda selva, Onde acharás hum bosque mui sombrio, De huma parte arvoredo, d'outra hum rio: Alli se ouvem os pássaros cantando, Alli se escuta o rio murmurando, Nelle andão de contínuo os pescadores, Nelle pescão tambem alguns Pastores O saboroso peixe á longa cana, Ou com o iscado anzol, que mais o engana: Em fim, he campo ameno, he deleitavel, Fructuosa a terra, o clima saudavel: Lá vivirás, amigo, descançado, Sem ver a causa do mortal cuidado: Pois naquella distancia por extensa Não vês o offensor, nem vês a offensa. POLYFEMO. Discreto amigo, amigo verdadeiro, Tu fostes dos humanos o primeiro, Que me soube vencer: eu que algum dia Nem a razão, nem Deoses conhecia, Hoje a razão abraço, os Deoses temo; Tu me fizeste hum novo Polyfemo. LAURINDO. Convence-te a razão, porque és humano, Que a razão só não doma o bruto insano. POLYFEMO. Oh grande, oh raro exemplo d'amizade! Oh coração, gerado de piedade! Despido d'ambição, e d'avareza, Só inclinado á mísera pobreza! Deixa, que por mostrar-me agradecido, A teus honrados pés chegue abatido; E esta boca, por quem serás louvado, Beije o chão duro, dos teus pés tocado. LAURINDO. Suspende, Polyfemo, eu não pertendo A tua gratidão, antes me offendo, De a meus pés te prostares abatido, Acatamento só ao Ceo devido. POLYFEMO. Oh quanto és digno de louvor completo, Por liberal, humilde, e por discreto! Aprenda o avarento ambicioso A ser mais liberal, mais caridoso: O que da santa, e mísera pobreza Foge, como quem foge da vileza, Veja, que o rico, o paderoso, o nobre Talvez, chegue a pedir esmola ao pobre: Esse, que as minas abre, e colhe o ouro, Julgando a vida ter no seu thesouro, Veja, que a vida, e ouro n'hum momento He como o fumo, que consome o vento: Siga os teus passos o soberbo inchado, Que julga, que a ventura tem ao lado: Olhe, que a seca o grosso rio esgota, E até com vento o cedro se derrota. Longe, longe de nós, ó vicio forte, Vicio mais feio, do que a feia morte. LAURINDO. Não terão parte em nós vicios danados, Nem pizaráõ a flor dos nossos prados; Que esta lã, que nos cobre, esta pobreza Contra o vicio nos serve de defeza. Vamos gozar a santa paz ditosa, Vamos colher a fruta saborosa Da minha bella Aldêa: vem, amigo, Que eu não me ausento, sem que vás comigo. POLYFEMO. Vamos; mas ah Laurindo, quem diria, Que por huma mulher, por'huma ímpia Eu havia deixar a minha Aldêa, E ir d'esmolas viver na terra alheia? Oh triste Polyfemo! Oh desgraçado! De ti deves queixar-te, e não do fado: Em mil exemplos o perigo viste, Devias fugir delle, não fugiste? Pois agora o teu erro irás pagando, E o damno sem remedio lamentando. Tome exemplo de mim, o que ama cégo, Julgando ter no amor todo o socego, Veja a minha desgraça, e tema o dano, Que sempre nasce deste amor profano: Não prenda a doce, amavel liberdade, Já que o Ceo lhe quiz dar livre a vontade: Fuja do amor, e guarde esta doutrina, Se quizer viver longe da ruina. Mas ah! Nem já do amor quero lembrar-me, Que he facil outra vez precipitar-me. Adeus, ó campos meus, campos amados, Que me daveis o fruto, e pasto aos gados: Já não hei de ferir vossos ouvidos, Nem já respondereis aos meus gemidos. Adeus, ó rio meu, que me obrigavas, Quando ao meu gado tuas aguas davas; Mas pago ficas, que essa grossa enchente A augmenta de meus olhos a corrente. Adeos, plácida fonte, onde algum dia Se alegre rias, eu alegre ria; No prazer te imitei; mas hoje afflicto Só no pranto, que verto, he que te imito. Lembra-te, ó fonte, que a cruel Pastora, Essa, que sem razão me foi traidora, Por ti jurou, que essa agua lhe faltasse, Se ella de amor a pura se manchasse: Agora deves, pois faltou perjura, Por castigo negar-lhe essa agua pura: Como ella contra si justiça pede, Ou procure agua longe, ou morta á sede; Mas ah! Que digo! He muita crueldade: Não, não lhe negues agua por piedade, Tem della compaixão, dá-lhe desculpa, Basta só, que a castigue a propria culpa. Adeos, ó prado ameno, as flores bellas Eu te roubei para tecer capellas: Perdoa-me, e talvez que inda melhores, Que á custa do meu mal terás mais flores: E apague a minha culpa, que te aggrava Este pranto, que humilde os pés te lava. Adeos, Pastores, doces companhias Dos meus passados, e felices dias; Porém dias tão breves, quanto he breve No Irverno a calma, no Verão a neve: Se o meu canto aprendestes algum dia, No tempo da ventura, e d'alegria Hoje do meu desgosto, e do meu damno Podeis lucrar mais util desengano, Vendo, por breve ser minha ventura, Quanto a glotia do mundo pouco dura: Que apenas nos faz ver hum falso gosto, Logo atrás delle vem maior desgosto. Adeos, ó Galatéa; mas que digo! Cuidei, que tinhas inda o nome antigo; Mas não deves ter já nome de humana, Sendo Leão feroz, vibora insana: Fica-te embora em paz, e só te peço De mim t'esqueças, que eu de ti m'esqueço: Sim, farei, que não tornes a lembrar-me Para querer-te, nem para vingar-me: E poderemos só ficar lembrados Do exemplo, com que fomos doutrinados: Mas vê, quanto differem as doutrinas, A que eu te dei, daquella, que me ensinas: Eu te ensinei a ser fiel, constante, Tu me ensinaste a ser falso, inconstante; Mas nunca me seguiste a lealdade, Nem eu soube seguir-te a falsidade; Porém essa doutrina; inda que inutil, Estimo-a, porque em parte me foi util: Se até aqui das Pastoras não fugia, Porque a sua traição não conhecia, Já della fugirei desenganado, Como quem foge do animal damnado. Longe, longe de mim, ímpias tyrannas, Ide viver com féras deshumanas: Em fim, parto a morrer: Adeos, Pastora, Adeos, ímpia: Adeos, falsa: Adeos, traidora. SONETO. Novo exemplo aqui tens, mísero humano, Que incensas os Altares da vaidade, Aqui te mostro a estrada da verdade, Por onde ao Templo vás do desengano: De Polyfemo o lamentavel damno, De Galatéa a horrenda falsidade Te excitem a fugir da crueldade, Que he premio certo desse amor tyranno! Elle consome os bens, a honra offende, O socego perturba, arrisca a vida, E o coração mais livre assalta, e rende. Ah! Destróe essa mão féra, humicida, Rompe os duros grilhões, com que te prende, Quebra-lhe as setas, ficará vencida. GALATÉA EGLOGA. SEGUNDA PARTE. DO MESMO AUTHOR. INTERLOCULORES. GALATÉA, LAURINDO, E ÁCIS. GALATÉA. EGLOGA. A bella, incomparavel Galatéa, A Nynfa, tutelar, gloria d'Aldêa O seu Ácis perdido busca afflicta: Corre, examina, geme, chora, e grita: "Ácis! Ácis! Meu bem! Onde te escondes? "Eu rouca de chamar-te, e não respondes? "Se nas margens do rio por ti clamo; "Mais foge o rio, quanto mais te chamo. "Se á fonte vou teu nome repetindo, "Ella vai murmurando, e vai-se rindo. "Só este monte de me ouvir magoado, "Se eu te chamo, elle chama, e tu calado! "Ah meu Ácis! meu bem, se inda tens vida, "Soccorre esta, que he tua, assáz perdida. "E se aos campos Elysios já partiste, "Lá verás breve a Galatéa triste. "A ti me ha de ligar a morte crua; Pois tu és a minha alma: eu alma tua. LAURINDO. Que vozes, ternas vozes tão sentidas Os montes ferem de afflicção nascidas! GALATÉA. Ah Pastores, que, alegres, divertidos Cantais ao triste som dos meus gemidos! Se este pranto vos move á caridade, Deparai-me o meu Ácis, por piedade. LAURINDO. A voz he de mulher. que ao longe grita. Quem pudéra valer á triste afflicta! Os duros écos, que este valle atrôão, Senão me engano, desta encosta sôão. Eu vou por este pedregoso atalho Ver, se encontro, quem he, ver se lhe valho. GALATÉA. Ah! Ninguem já responde aos meus clamores? Já não acho piedade nos Pastores? Misera Galatéa! A que chegaste, Depois que amor no coração geraste! Mas ah! Senão me engana a mata espessa, Hum homem para mim o passo apressa! He Pastor: quem será? Não vejo tanto, Pois me escurece a vista o grosso pranto. Será o meu bom Ácis? Se elle fôra, Huma nova alma eu concebêra agora. Ácis! Ácis! És tu? Responde, falla: Ou não he elle, ou não me estima, e cala: LAURINDO. He Pastora; e se não me engana a idéa Pelo gentil semblante he Galatéa. GALATÉA. Ah! Já vejo: já estou desenganada, Que o meu Ácis não he. Ó desgraçada! LAURINDO. Galatéa, que tens? Tu, que algum dia Semeavas os campos de alegria, Hoje com pranto, e vozes, que enternecem, Murchas as plantas, que ao teu riso crescem! GALATÉA. Feliz foi esse tempo; porém hoje De mim (qual rez ferida) o prazer foge. Mas dize-me, Laurindo, acaso viste O meu Ácis, por quem suspiro triste? LAURINDO. Ha dias, que o não vi; mas que motivo Banha o teu lindo rosto em pranto activo? GALATÉA. Eu te mostro a origem, que ao mostralla, No triste peito o coração me estalla. Ha tres dias... Oh dias de amargura, Mais negros para mim, que a noite escura! Quando o Sol hia ver outro Orizonte, Deixando triste o rio, o valle, o monte, Metto o fuso na róca, o gado chamo Para o pobre curral, vem ao reclamo: Conto as cabeças, falta-me a Ovelhinha, Que eu estimava mais, que as mais, que eu tinha, Por brincadora, esperta, e tão malhada, Que parecia com pincel pintada. Tinha-me tanto amor, que se eu gemia Ella então nem brincava, nem comia. Mas se me via alegre, ou se eu cantava, Ella ao meu lado de prazer saltava. Eu afflicta a busquei té junto ao Téjo; Quando na margem o meu Ácis vejo. Corre a ver-me, e no riso amor explica; Porém vendo-me afflicta, afflicto fica. Pergunta-me a razão: conto o successo, E que procure a minha rez lhe pesso. Elle me diz então com vozes ternas, Vozes, que esta alma ha de guardar eternas: "Ah! Não chores, meu bem, minha alegria. "Em cujos olhos brilha a luz do dia! "Se os encobres com pranto, e magoa enorme, "Queres, que o dia em noite se transforme? "Fugio-te a tua Ovelha: eu ta procuro; "E por teus lindos olhos eu te juro, "Que se ella viva está, e eu souber della, "Inda que arrisque a vida, hei de trazella; "Mas se baldado for o meu empenho, "Das minhas escolhe huma, ou quantas tenho, E com tão terno amor me enchuga o rosto, Que me leva metade do desgosto. Quiz partir, dava hum passo, então parava, Como que em mim seu coração deixava: Partio; e a cada passo.... (ó que retiro!) Voltava para mim, dava hum suspiro; Que o coração presago lhe dizia, Que era a ultima vez, em que me via. E bem se verifica (oh Ceos! Conforto!) Que não me ha de ver mais, porque he já morto. LAURINDO. Ácis morto! Que dizes, Galatéa? Isso he certo, ou te engana a falsa idéa? GALATÉA. Eu te exponho a razão, em que me fundo. Quem vio (oh Deoses) scena igual no Mundo Ácis partio: passárão-se dois dias, Dias de magoas, noites de agonias, Em cada instante, que elle me tardava, Mil desgraças a idéa me pintava. Porém hoje no valle d'azinheira, Junto á ponte da plácida ribeira, Debaixo de hum cipreste levantado, Cópia de mim, eu vigiava o gado; Se bem que pouco vigiar podia, Quem de chorar já quasi nada via. Cançada de lutar com meu tormento, Meu unico, amargoso mantimento, A affligida cabeça ao tronco encosto, E sobre a curva mão inclino o rosto. O somno, que ha dois dias meu não era, Veio piedoso, que antes não viera! Pois me fez ver em sonho... Oh que desgraça! A causa desta dor, que me traspassa. Eu vi... triste visão! Que além da serra, Por hum dos regos da lavrada terra, Hia o meu Ácis triste, suspirando Com prompta vista a minha rez buscando; Outras vezes, olhando para a Aldêa, Clama saudoso: "Ah minha Galatéa! Quando de entre hum pinhal... de o dizer, tremo: Sahe o barbaro, o manstro Polyfemo. Toma-lhe o passo, e n'hum trilhado estreito Com dardo agudo lhe traspassa o peito: Clamando: "Morre, vil, morre, inimigo, "Que inda mereces mais cruel castigo. "Chama agora o teu bem, chama a fingida, "Grita por ella, que te torne a vida. Á violencia do golpe, o desgraçado Solta do peito afflicto hum ai magoado Trémulo, curvo, com a mão convulsa O peito aperta, donde o sangue pulsa: Quer suster-se, não póde, a força falta: A mão solta do peito, o sangue salta: Vai vergando, e cahindo: hum tronco agarra: Este se quebra, o fraco pé lhe esbarra; E sobre hum mar de sangue da ferida Cahe exhalando a preciosa vida. Com vista incerta, os olhos vidracentos, Trémula a voz, sem côr, já sem alentos, Exclama, em fim, nas mãos da morte feia: "Valei-me, Ceos, adeos ó Galatéa. E soltando hum suspiro, os olhos serra: Ferindo as plantas, magoando a terra. Oh Deoses! Inda incerta esta desgraça; He qual farpão, que o peito me traspassa; E se he certa, mandai, que a dura morte Sobre mim venha, e descarregue o corte: Morreo Ácis por mim, por elle eu morra: Qual do seu, do meu peito o sangue corra: LAURINDO. Misera Galatéa enchuga o pranto, Que hum sonho falso não provoca a tanto. GALATÉA. Este sonho, a demora, e Polyfemo, Tudo me assusta, e a desgraça temo. LAURINDO. O sonho intimidar-me não devia Por ser falsa illusão da fantasia. Do Pastor a demora, que te assusta, Tambem póde nascer de causa justa. Se temes Polyfemo, o susto affasta: Comigo vive, eu nunca o deixo, e basta. E desde que o domei por teu respeito, Tudo que eu mando, que elle faça, he feito. Piza, piza, a teus pés essa agonia: Faze, que a fonte com teu riso ria. GALATÉA. Tu destróes em parte o meu desgosto; Mas não consegues ver-me enchuto o rosto: Não: fazer que esta setta não me fira, Só póde o meu Pastor. Ah! Quem o víra! Só pódem os seus olhos engraçados Dar vista aos meus já cégos, e cançados. Mas temendo o rancor de Polyfemo, As proprias sombras dessas plantas temo. LAURINDO. Do triste Polyfemo o rancor deixa: Tu foste a causa, e só de ti te queixa. GALATÉA. A causa fui! Eu sou féra impestada, Que fizesse aquella alma invenenada? LAURINDO. A causa foste, sim, porque o amaste, E por Ácis, sem culpa, o desprezaste. GALATÉA. Pelos Deoses do Olympo Soberano Juro que nunca amei tal monstro insano. LAURINDO. Pois se he certo, que amor não lhe tiveste, Porque falsas promessas lhe fizeste? GALATÉA. Porque assim o meu Ácis defendia Da vingança, que o vil lhe promettia. LAURINDO. Ah! Pois quiz com violencia... ( que loucura!) Gerar amor, que nasce da ternura! GALATÉA. Sim, com rigor queria, que o amasse, E que o meu peito ao meu Pastor fechasse. Clamando irado assim: "Cruel Pastora, "Tu desprezas soberba, a quem te adora? "És toda do teu Ácis? Pois discorre, "Que ou tu has de ser minha, ou Ácis morre. "Dize, resolve já, ou vou matallo; "E o coração aos olhos teus mostrallo. Eu ante o monstro vil de crueldade, Que não cede á razão, nem á piedade, Rogo-lhe compaixão: não se enternece: Choro humilde a seus pés: mais se embravece. Eu delirava neste lance forte De dar ao triste a vida, ou dar-lhe a morte. Ácis morrer por mim, sendo innocente! Não, por livrallo fiz-me delinquente. Com o tyranno usei de idéas novas Para dar-lhe de amor fingidas provas; Mas o meu firme peito era impossivel, Que abrisse a porta aquelle bruto horrivel. Se nisto te aggravei, Ácis desculpa; Se eu delinquente fui, foi tua a culpa. LAURINDO. Nao chores, virtuosa Galatéa: De ti fazia mui diversa idéa; Bem que eu não sigo as linguas venenosas, Que as mulheres só tratão de aleivosas: Sei, que muitas o são, sim, não duvido, Pelos casos, que vejo, e tenho ouvido; Mas contem-se as traições d'ellas, e d'elles, Se acharem nellas mil, ha dez mil nelles. Tu, exemplar Pastora, mostrar queres, Que és a gloria, o modelo das mulheres: Que os falsos homens pódes doutrinallos; E com teu mesmo exemplo envergonhallos. Vai-te em paz, vai guardar teu manso gado: Do teu Ácis feliz dá-me o cuidado, Que eu hirei procurallo: em mim confia, Que hei de tornar-te a noite em claro dia. GALATÉA. Ah piedoso Laurindo! Se tal fazes, A hum corpo morto nova vida trazes. ÁCIS. Que triste vejo a serra, o valle, o monte! O rio pasma, corre turva a fonte. Sim, sem a minha amavel Galatéa A clara luz do Sol he triste, e feia. Mas onde te acharei, gentil Pastora, Para clamar então: já vejo a Aurora! Aves, tornais o canto em agonia Porque vos falta a Mestra d'harmonia? O Ceo com ella adoce o meu tormento, Tereis nova lição, e eu novo alento, Mas ah! Que vejo! Que gentil Pastora? Parece Galatéa! Oh feliz hora! Não, não me enganes, lisongeira idéa. N'altura... em trage... em gesto... he Galatéa, Que está banhando em pranto o lindo rosto: Eu corro, eu vou tornar-lhe a magoa em gosto. GALATÉA. Ácis, se és vivo, sorte igual não tive. ÁCIS. Inda o teu Ácis dos teus olhos vive. GALATÉA. Ah! Que vejo! Ácis! Ceos! Será mentira? ÁCIS. He verdade; o teu Ácis sou: respira. GALATÉA. Oh Providentes Ceos! Deoses Clementes, Que assim curais as chagas dos viventes. ÁCIS. Tu choras! He de gosto, ou de agonia? GALATÉA. Chorei de magoa, agora de alegria. ÁCIS. Tu choravas por mim! Mereço eu tanto? GALATÉA. Vê bem o estrago, que em mim fez o pranto. Estes olhos, que tu chamavas bellos, Hoje magoados fugirás de vêllos. ÁCIS. Assim mesmo são dois lindos diamantes, Quie inda eclipsados, sempre são brilhantes. Mas dize, Galatéa, que motivo Acendeo esse fogo, tão activo? GALATÉA. A ausencia de tres dias (longos dias!) De lagrimas, de sustos, de agonias; E mais que tudo hum sonho feio, horrivel, Que o não matar-me, não parece crivel: Sonho cruel, que me pintou na idéa A desgraça maior, scena mais feia: Que o monstro Polyfemo te arrancára A amavel vida, que esta vida ampara. ÁCIS. E credito lhe déste, sendo esperta? GALATÉA. Sim, que a má nova quasi sempre he certa. LAURINDO. Se eu não corro a tiralla da vareda, N'algum despenhadeiro achava a queda. GALATÉA. Laurindo nos meus males tomou parte, E até por compaixão quiz ir buscar-te. ÁCIS. Bom amigo, e bom Mestre, as sãs doutrinas Tu com virtuoso exemplo, nos ensinas: Tu semeas os campos de equidade, Nós colhemos os fructos da piedade. LAURINDO. Huns para os outros sermos bons devemos: Todos somos irmãos: de hum Pai nascemos: Se hum errar, deve o outro encaminhallo: Se hum cahir, deve o outro levantallo. GALATÉA. Perdoa, que eu atalhe o teu conselho, Proprio de hum Sábio, Virtuoso, e velho. Dize, meu Ácis, dize, por clemencia, Qual foi a causa de tão longa ausencia? ÁCIS. Foste tu: foi o amor, e foi o empenho De trazer-te a Ovelhinha, a qual já tenho. Ao casal ta levei; mas sem achar-te; Pois vieste a buscar-me, eu vim buscar-te. GALATÉA. Achaste a minha Ovelha! Ah! Onde estava? Bem que eu por ti nem della, me lembrava. ÁCIS. Visinhos campos, as distantes terras, Amenos valles, escabrosas serras, Tudo corri: examinei choupanhas, Pobres Aldêas, rusticas cabanas. Perguntei aos campinos, Lavradores: Rebanhos espreitei: busco aos Pastores: Todos dizem: "Não vimos, não sabemos: "Nem leve rasto dessa Ovelha temos. Eu de perdê-la já desenganado, De magoa afflicto, de buscar cançado, Voltar queria a ver teu lindo rosto; Mas dava gosto a mim, e a ti desgosto: Eu a dor da saudade em mim curava; Mas na má nova, nova dor te dava. Nisto pensava triste, e vacilante, Quando escuto berrar pouco distante, Parto, gyro, procuro, em vão procuro: Pois nada vejo: vejo hum bosque escuro, Que o Sol formoso nunca vio por dentro: Corro, o bosque examino; e lá no centro Vejo hum pobre roupeiro esfrangalhado, Dormindo, e a Ovelhinha preza ao lado. Eu, que a vejo, e conheço, ó que alegria Em teu obsequio a minha alma enchia! Com lentos passos vou muito manso andando, O sussurro das plantas receando, Se bem que o vento amigo me valia; Pois nem das folhas o brincar se ouvia. Chego ao ladrão: observo, que em socego Dorme roncando: na Ovelhinha pego: Sobre os hombros a ponho, e vim fugindo, Do furto alegre, de alegria rindo. Trepando huma deserta ribanceira, Ouço hum grito, ólho a traz, vejo á carreira Seguindo-me a gritar o vil roupeiro: "Ó ladrão! Larga a Ovelha! Ó ratoneiro! Eu, que vejo o meu credito infamado, Páro, e com ira mostro-lhe o cajado. Prudente parto: segue-me as pizadas: Torço a vareda, corre-me ás pedradas. Dellas me affasto; e por final prejecto. Na leve funda grossa pedra metto. Agito a funda: corro então mais perto: Desparo a pedra, no vil peiro acérto. Fica o ladrão sem tino: quer suster-se: Não póde: cahe: forceja para erguer-se: Outra vez cahe de costas: vai rolando: Péga-se ás pedras, mas em vão pegando, Que as mesmas pedras, em que busca abrigo Rólão sobre elle por maior castigo; E despenhado assim pela barreira Vai té parar na margem da ribeira. GALATÉA. Ah! Que dizes! Mataste o desgraçado? ÁCIS. Não ficou morto, não, mas maltratado, Eu vi... com quanta dor o estive vendo! Cahio mortal; depois se ergueo gemendo. Olhou-me então com iras, e ameaços; E trémulo partio com lentos passos. GALATÉA. Tu, que es no coração manso cordeiro. Hoje tornado em lobo carniceiro! ÁCIS. Eu cordeiro não sou; porém se o fôra Tornar-me em lobo foi preciso agora. LAURINDO. Castiga-nos o Ceo, se nos vingamos; Mas tambem quer, que a vida defendamos. ÁCIS. Se mais piedade do ladrão eu tinha, Nem eu era já teu, nem tu já minha. GALATÉA. Se a amavel vida o ímpio te roubava, N'huma só morte duas mortes dava. ÁCIS. Esses extremos no meu peito os guardo Para atear de amor o fogo, em que ardo. Vamos, vamos, formosa Galatéa, Alegrar com teu rosto a triste Aldêa: A Aldêa, que por ti chorava agora, Qual bom Filho, que a Mãi perdida chora. GALATÉA. Chora a Pátria, por mim? Quanta amizade Devo aos bons, que se nutrem da piedade! LAURINDO. És bella, e inda mais bella por virtuosa; Que a virtude inda a feia faz formosa. Porém vê, que a Virtude cultivada, Cresce, bem como a planta, que he regada; Mas se falta a cultura, vai murchando; E qual planta sem agua vai secando. Hide: a benção do Ceo sobre vós desça: Aos vossos olhos branda relva cresça; E nella apascenteis grossas manadas De prenhes vaccas gordas, e malhadas. Tantas as cabras, tantos os cordeiros, Que enchão os valles, enchão os oiteiros. Hide, que he longe a Aldêa: hide, que he tarde: O Ceo vos abençôe, o Ceo vos guarde. A benção gere em vós dois bons Esposos, Que fructos dêm ao Ceo, fructos ditosos. ÁCIS. Adeos, meu bom Pastor, meu caro amigo, Gloria dos campos, deste povo abrigo. GALATÉA. Essa benção do Ceo, que em nós desejas, Sobre tudo, que he teu, sobre ti vejas. Ácis, vamos aqui pelo serrado, Que he mais perto, he mais doce, e he povoado. ÁCIS. Vamos cortando por entre estas faias: Dá cá a mão: salta o rego: olha, não caias. Tu saltas mais, do que eu: és bem ligeira! GALATÉA. Se eu quiser não me apanhas na carreira. Que farão hoje ao ver-me de contentes As amigas, visinhos, e os parentes, Que ao vêrem-me vagar só sem conforto Julgar-me-hão morta, por julgar-te morto? ÁCIS. Se o bem nos foge, atêa-se o desgosto: Torna o bem, morre o mal, renasce o gosto. Tu verás nas Pastoras desgrenhadas Olhos feridos, faces desmaiadas. E ao ver-te, o riso, e pranto misturando, Humas ás outras com prazer chamando: Todas para te verem correm, voão: Vivas, applausos pelos ares sôão. Huma te beija a face alva, e rosada, Que a faz com pranto seu rosa orvalhada. Outra te enfeita as tranças graciosas De myrto, e cravo, de jasmins, e rosas. Verás, que ao som das lyras vem cantar-te A magoa de perder-te, o bem de achar-te. Verás, como os chorosos innocentes, Quando te virem, brincaráõ contentes. Verás a fonte, que turbada a vejo, Corre alegre a dar a nova ao Téjo. Verás o Téjo, que sem ti bramia, Quão plácido vem ver-te á praia fria. Verás o Melro, o Rouxinol suave Convertendo a tristeza em canto grave. Verás saltando os tenros Cabritinhos Alegrarem os tristes Cordeirinhos, Verás curvar-se o tronco a dar-te as frutas; Correr o rio, vir trazer-te as trutas. Hoje farás feliz, farás contente A Aldêa, o rio, a fonte, o gado, a gente. GALATÉA. Feliz me fazes tu: viver me fazes: Aos meus bons dias novos dias trazes. ÁCIS. Como posso eu fazer a alguem ditoso, Quando só por ser teu, sou venturoso? Sem ti rustico sou, humilde, e pobre: Comtigo sábio sou, sou rico, e nobre. GALATÉA. Demos graças a Amor: Amor cantemos, Que assim nos téce a Santa paz, que temos. ÁCIS. Sim, cantemos Amor: a voz levanta, A voz sonora, com que Amor encanta. GALATÉA. Amor me fez guerra: Lutámos, venceo-me; O peito rompeo-me Para Ácis entrar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. ÁCIS. Amor nos tens olhos Forjou doce flexa: Ferio-me: esta brexa Tu sabes curar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. GALATÉA. Ao ver-me ferida, Primeiro assustei-me, Depois alegrei-me, Amor fui cantar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. ÁCIS. Eu pude da seta Salvar o meu peito; Não quiz: puz-me a geito, Deixei-a entranhar. Taes laços, taes setas Devemos Beijar. GALATÉA. Depois de ferir-me Mostrou-me as algêmas; E diz-me; "Não temas "Quando eu tas lançar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. ÁCIS. Ferir-me, prender-me Não era preciso, Bastava hum teu riso: Hum teu brando olhar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. GALATÉA. Amor, abre as azas Vem, prende estes braços, Que os teus doces laços Não hei de quebrar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. ÁCIS. Sou prezo por gosto, Por honra cativo: Por prezo he que vivo, Qual peixe no mar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. GALATÉA. Amor, chama as Graças, E o Santo Hymeneo! Que venhão do Ceo Meu laço apertar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. ÁCIS. Tu chammas as Graças? Não clames por ellas; Pois Graças mais bellas Em ti venho achar. Taes laços, taes setas Devemos beijar. GALATÉA. Basta: cançada vou: mais não cantemos: Logo melhor n'Aldêa cantaremos. ÁCIS. Pois vai tu pela encosta desse monte, Que a lyra vou buscar: lá saio á fonte. GALATÉA. Não te demores lá, minha alegria. ÁCIS. Já volto a ver-te, minha luz do dia. GALATÉA. Levas-me a vida, a jóia mais perfeita. ÁCIS. Em penhor dessa vida esta alma acceita. GALATÉA. Em penhor! Queres pois, que a restitua? ÁCIS. Não; se essa vida he minha, esta alma he tua. FIM End of the Project Gutenberg EBook of Galatéa, by António Joaquim de Carvalho *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK GALATÉA *** ***** This file should be named 21780-8.txt or 21780-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/1/7/8/21780/ Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.net This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.